As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente trouxeram grandes impactos para a sociedade. Dentre elas, o serviço de transporte particular por meio de aplicativo, que permite livre acesso pelo usuário e uma nova forma de inserção econômica ao motorista. Evidentemente, tal nova estrutura laboral, trouxe ao âmbito jurídico questões não regulamentadas e que, provocaram o posicionamento de magistrados e juristas.
Uma das questões jurídicas mais discutidas do momento é a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas e as plataformas de aplicativo. Milhares de processos acerca do assunto tramitam nos Tribunais do país, havendo controvérsia nas decisões, eis que parte dos julgadores entendem pelo reconhecimento do vínculo e outra parte, não considera presentes os pressupostos legais para tal decisão.
É de conhecimento geral o grande número de trabalhadores que exercem esta atividade, seja ela como fonte de renda principal ou complementar. Ocorre que, o modo de inserção neste mercado, que ocorre totalmente por meio digital, deixou algumas lacunas nas questões jurídicas que englobam o tema, criando um problema social e deixando dúvidas no que tange às questões trabalhistas.
A presença dos elementos que caracterizam o vínculo empregatício, dispostos pela Consolidação das Leis do Trabalho, nos artigos 2º, 3º e 6º da lei, é reconhecida por parte dos julgadores, que afirmam a existência de pessoalidade: pois os motoristas precisam realizar cadastro pessoal e aceitar os termos e condições do aplicativo, onerosidade: eis que o trabalho é remunerado, não eventualidade: reiteração e constância na atividade e subordinação: pelo fato dos motoristas serem fiscalizados pela plataforma e ser esta a definidora dos valores e padrões do serviço.
Assim, vai de encontro à este entendimento a decisão do TRT 4ª região:
“EMENTA 99 TECNOLOGIA LTDA. VÍNCULO DE EMPREGO. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. De acordo com o que preceitua o artigo 3º da CLT, sempre que uma pessoa física presta serviços de modo não eventual, com subordinação, pessoalidade e mediante salário, a outra pessoa, seja física ou jurídica, que se beneficia da atividade desenvolvida e assume os riscos do empreendimento (artigo 2º da CLT), tem-se configurada verdadeira relação de emprego. Demonstrado o efetivo preenchimento desses requisitos, justifica-se o reconhecimento do vínculo de emprego. (TRT da 4ª Região, 3ª Turma, 0020897-93.2022.5.04.0405 ROT, em 29/02/2024, Desembargador Gilberto Souza dos Santos).”
Porém, outra parte dos magistrados, entende que não estão presentes estes pressupostos, de modo que, o motorista possui autonomia, não tem jornada mínima, podendo aceitar ou não as viagens e assumindo os riscos da atividade. Afirmam ainda, que os aplicativos são mera ferramenta de intermediação dos serviços.
Neste viés, decidiu o Tribunal Superior do Trabalho:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. MOTORISTA DE APLICATIVO (UBER). INEXISTÊNCIA DOS ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA DIANTE DA AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO NÃO CONFIGURADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 126 DO TST. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA - Transcendência jurídica da causa reconhecida (art. 896-A, §1.º, IV da CLT), tendo tem vista o pleito de reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e empresas provedoras de plataformas de tecnologia é matéria nova no âmbito desta Justiça laboral. O Regional, soberano na análise das provas, insuscetível de reexame nesta fase (Súmula n.º 126 do TST), concluiu pela inexistência de vínculo empregatício, haja vista a autonomia do motorista no desempenho das atividades. Assim, qualquer alegação em sentido contrário ao contexto fático fixado pela Corte a quo desafia o revolvimento de fatos e provas, procedimento vedado nos termos do referido Verbete Sumular do TST. Agravo de Instrumento conhecido e não provido" (AIRR-1001294-49.2022.5.02.0089, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 12/12/2023).”
Deste modo, diante da insegurança jurídica causada pelos divergentes posicionamentos dos Tribunais, o assunto foi reconhecido como tema de repercussão geral pelo STF, o que significa que a pauta possui grande relevância social e após seu julgamento pela Corte, este deverá ser seguido por todo Poder Judiciário.
O Relator Ministro Edson Fachin, ressaltou a necessidade de que o STF apresente uma solução uniformizadora para a controvérsia, pois, além de o debate ser um dos mais relevantes no seguimento trabalhista-constitucional, há decisões divergentes sobre o tema. O Ministro também destacou o impacto sobre milhares de profissionais e usuários e afirmou ser necessário conciliar os direitos trabalhistas e os interesses econômicos de ambas as partes.
Ademais, recentemente, um projeto de lei que visa assegurar alguns direitos aos motoristas foi enviado ao Congresso, o texto não garante o reconhecimento do vínculo trabalhista entre as partes, mas propõe um pacote de normas para reger a profissão. O projeto ainda será votado pelo legislativo e se aprovado, trará algumas alterações no âmbito das relações entre o motorista e a plataforma, dentre elas, a regulamentação da jornada diária, remuneração mínima, criação da categoria e a contribuição previdenciária.
Assim, é notório que a revolução tecnológica trouxe inúmeras modificações no âmbito trabalhista e vêm levantando questões ainda não regulamentadas, mostrando a necessidade da proteção jurídica. Deste modo, é necessário inserir os novos modelos de trabalho em determinada legislação, eis que, diante de tantas alterações das formas laborais, não há mais o enquadramento de certas atividades em antigos princípios trabalhistas, o que causa insegurança jurídica para ambas as partes.
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